Ditado popular não é conselho para se ignorar. Já ouviu falar que mineiro não conversa, conspira? Pois é. Quando o trio formado por Ralph Justino (idealizador do Festival de Gastronomia de Tiradentes), Eduardo Maya (chef idealizador do festival Comida Di Buteco e Centro Culinário) e Eduardo Avelar (jornalista e chef, autor do Guia Sabores de Minas) estão reunidos é motivo suficiente para uma Conspiração Gastronômica, à moda mineira.
Durante a 2º Feira e Fórum de Gastronomia Mineira, ocorrida no mês de abril, eles lançaram a Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Conspiração Gastronômica. A missão é desafiadora e nobre: promover, divulgar e preservar os produtos e a cultura gastronômica de Minas Gerais no Brasil e exterior. O modelo de atuação segue a tendência global de preservação da comida local, que ganhou força como o movimento italiano Slow Food.
O Estado é pioneiro na valorização de sua rica culinária regional. “Nós temos juntos com a Bahia a cozinha mais importante do Brasil e com uma grande personalidade”, diz Justino. O festival de gastronomia de Tiradentes e o Comida di Buteco são projetos vanguardistas que partiram de Minas para serem difundidos em todo o país.
Entre as propostas está a criação do selo mineiro de qualidade para indicar produtos de origem. “Vamos identificar produtos de alto nível com qualidades cultural e gastronômica, caso das frutas ora-pro-nobis e pequi. A ideia é desenhar um mapa culinário de Minas Gerais”, explica.
O trabalho de Eduardo Avelar com o guia “Sabores de Minas” já permite mapear a produção de origem controlada em todo o Estado. Agora, o intuito do grupo é aperfeiçoar esse processo e criar a certificação de qualidade de origem controlada de Minas. Assim, o trio acredita que os profissionais da gastronomia poderão ter mais opções, e o cliente saberá o que está comendo.
A associação irá formar uma comissão com participantes de entidades como Iphan, Senac, secretaria de turismo e demais órgãos públicos ou privados, somando, em média, de 12 a 15 membros. O grupo ficará responsável por selecionar os sabores com autêntico sotaque mineiro para receber o selo da Conspiração. A pesquisa também será aberta para participação de profissionais de áreas ligadas à produção e consumo de alimentos. Justino conta que a primeira garimpagem será feita por feita por um instituto de pesquisa.
Na última edição da Feira e Fórum de Gastronomia Mineira foi realizada uma exposição com cerca de 20 produtos de origem. Entre os sabores estão a jabuticaba e o ora-pro-nobis de Sabará, e a carne de sol de Mirabela, que segundo o empresário, pouca gente conhece, mas quem prova, reconhece a qualidade. Justino destaca a importância de valorizar também produtos artesanais culinários que são elaborados com técnica e qualidade de matéria-prima. É o caso da salumeria Chiari, do advogado Carlos Chiari. O mineiro foi buscar na Itália a expertise para preparar salame, presunto, culatello, capocollo e o speck. “É importante reunir produtos com esse perfil para compartilhar conhecimento e incentivar outros a aprimorarem suas técnicas de produção”, explica o conspirador.
Os produtos de origem, certificados, orgânicos se apresentam com apelo gourmet, tem design, são exclusivos e artesanais. Por isso, o trabalho da Conspiração no terroir mineiro caminha em sintonia com a visão contemporânea da alimentação ligada ao território, mas com excelência gastronômica. Além do selo, a oscip pretende promover eventos, como a feira realizada em abril, não só em Minas, mas ampliar o modelo para outros Estados. Justino acena com a possibilidade de lançar um guia com o mapa culinário de Minas, devidamente certificado, uma espécie de Michelin ou 4 Rodas.
Os conspiradores também planejam ter uma prateleira nos supermercado com o selo, além de sugerir que os cardápios de restaurantes apresentem a justa identificação de procedência. Mas não é só a cozinha tradicional que está nos planos do trio. A reinvenção das tradições e a modernidade fazem parte da etnografia culinária. “Vamos proteger o passado com o olho no futuro”, acrescenta Justino e reforça a importância de valorizar o potencial gastronômico dos alimentos, e viabilizá-los comercialmente.
Na lista, também está incluído observar a ética na produção alimentar e criação de animais, além de aspectos relacionados à saúde. No caso mineiro, o frango e o porco, que tem forte presença na alimentação do Estado. Após 13 anos à frente da organização do Festival de Gastronomia de Tiradentes), o empresário avalia as mudanças relevantes que ocorreram em prol da valorização das cozinhas regionais brasileiras. Entretanto, pondera que ainda é preciso aprofundar e ampliar o interesse pela comida local. Ele cita como exemplo o caso do Peru, que hoje tem sua gastronomia reconhecida e valorizada pelo mundo. “O Brasil também pode trilhar esse caminho porque tem a melhor gastronomia do mundo e é a bola da vez”, conclui
Conspiração aposta em comida local como destino cultural
A atuação da Conspiração vai além da gastronomia. Os idealizadores da instituição acreditam em outro potencial ainda a ser explorado. “Acredito que o turismo de Minas Gerais tem muito que ganhar com a valorização da nossa gastronomia. Acredito que cada vez mais turistas do mundo inteiro virão ao Estado apenas para conhecerem os grandes produtos que temos e agora também com a qualidade de pequenos produtores”, aposta Justino.
O levantamento de dados que mostram como o Turismo gastronômico incentiva a economia local, em diversas regiões de Minas, fará parte do escopo da Conspiração Gastronômica. “Mas posso adiantar que o Ministério do Turismo fez uma pesquisa sobre Tiradentes e constatou que hoje a cidade é reconhecida num primeiro momento como polo gastronômico. Acima do patrimônio histórico, que durante muito tempo foi o forte da cidade”.
Justino, que integra o Circuito Brasileiro de Cultura e Gastronomia, afirma que é possível tornar a culinária local um patrimônio que reflete a identidade cultural do povo mineiro. E destaca a força da aliança entre gastronomia e turismo para aquecer a economia e gerar empregos. “Atualmente, essa parceria representa 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, sendo quase 40% do PIB do turismo. Ainda assim, o segmento tem muito espaço para crescer” aponta o empresário. Outra pesquisa, feita pelo Ministério do Turismo, mostra que a gastronomia é responsável por aumentar em 30% a atratividade de um destino.
Aceita-se conspiradores para produzir um mapa culinário do Brasil
A empreita desses conspiradores remete ao desejo antigo de Gilberto Freyre, pernambucano e defensor ferrenho de suas tradições culinárias. No artigo “Mapa Culinário do Brasil” para a revista O Cruzeiro, publicado em 24 de novembro de 1951, o escritor compartilha que tentou esboçar a geografia alimentar “fixando as principais especializações regionais da cozinha nacional”.
E relaciona sua etnografia preliminar: “começaria com o sarapatel de tartaruga do Amazonas a e sopa de castanha do Pará: o Pará do açaí. Mas não pararia no açaí. Não ficaria no Pará. Viria até o churrasco sangrento à moda do Rio Grande do Sul, acompanhado de mate amargo. Incluiria o “barreado” paranaense. O lombo de porco mineiro. O vatapá baiano. O cuscus paulista. O sururu alagoano. A fritada de caranguejo paraibana. O arroz de cuchá maranhense. O quibebe do rio Grande do Norte. A paçoca cearense. O pitu pernambucano”.
Esse estudo, explica ele, seria publicado um dia: “um mapa a cores, acompanhado de guia para o turista que deseje viajar pelo Brasil sabendo que pratos característicos deve pedir em cada região principal do país cujo encanto queira surpreender pelo paladar e não apenas pelos olhos e pelos ouvidos”. Ao final do texto, Freyre convoca os leitores para cooperar com ele na organização do minucioso mapa: “É só me escreverem, indicando quitutes que dêem fama aos seus municípios de origem ou residência. Procurem ser exatos e precisos. Acompanhem a indicação de receita. Assinem”. Parece até que o artigo foi publicado ontem, e três candidatos já estão a postos, conspirando.
Equipe Malagueta
Texto: Juliana Dias
Edição de imagens: Carolina Amorim
Revisão: Vanessa Souza Moraes
Conspiração Gastronômica
17/06/2011 por Kellen Faria
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